segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

ÊXODO




FERNANDO AZEVEDO

Êxodo (do Latim Exodu) S.m. Emigração, saída: “A esses males vêm juntar-se as calamidades naturais, inundações, estiagens, e secas, que periodicamente, engendram o grande desemprego e promovem o êxodo da população” (Lourival Fontes, Discurso aos surdos p.54) (Aurélio Buarque de Holanda).
Talvez Luiz Gonzaga tenha me passado desde a infância a noção do êxodo. Não foi na escola que aprendi, foi na música. “Inté mesmo a Asa Branca, bateu asa do sertão” “Quando o verde dos teus óio/ se espaiar na prantação/ eu te asseguro/ num chore não viu/ eu voltarei/viu/ meu coração.
Na escola e em casa aprendi patriotismo, amar minha terra, minha pátria cantar seus hinos no Orfeon do Instituto Recife.  Dentro do meu Brasil teria direito a amar qualquer parte do seu solo e o Rio de Janeiro foi minha segunda casa. A vida boêmia, artística, me deixava fascinado. Para lá houve o êxodo de parte da família, os Rodrigues, que se destacaram no jornalismo, Nelson o mais famoso e nas artes plásticas Augusto, criador das Escolinhas de Arte no Brasil. A vida médica por lá é que me fez ver que aqui era o meu lugar e voltei trazendo um pedaço da Cidade Maravilhosa comigo: Márcia, minha companheira há mais de cinquenta anos.
Vejo agora o êxodo das colônias judaicas, árabes, europeias, que tanto contribuíram para a nossa cultura. Vejo o êxodo dos jovens inteligentes para Canadá, Austrália e outras plagas não pela seca gonzaguiana, mas pelo crescente desamor patriótico.
Vejo o êxodo do nosso dinheiro depositado nos bancos do mundo aos bilhões de reais e vejo a dificuldade da nossa gente na saúde, educação e transporte. A classe política que deu tantos exemplos patrióticos no passado está coberta de lama, restando poucos homens honrados. As pessoas com vocação pública afastando-se e dando lugar a esses pilantras.
Vejo o êxodo da nossa poesia que é substituída por letras alienígenas no idioma inglês.
Vou assistir à noite de autógrafos do meu neto que se alfabetizou, e a solenidade começa com a Professora saudando a plateia: “Good evening ladies and gentlemens” para depois do speech traduzir para os ignaros a versão em português.
Pratiquei o êxodo nessa solenidade do colégio e começo a entender que aos 76 anos não devo ter muito tempo mais por aqui. O êxodo para onde merecer ir se aproxima, mas levarei minhas raízes para dizer que vim do Espinheiro, do Clube Náutico Capibaribe e do Brasil.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

PAPAI NOEL



FERNANDO AZEVEDO
 
Mais um Natal, mas Papai Noel não mais entrando em chaminés. Agora desce de paraquedas ou helicópteros numa grande festa comercial que existe na época e até muito justa, pois muitos melhoraram seus rendimentos cada vez mais minguados nessa época natalina. Saiu numa das edições da Folha de São Paulo um trabalho de pesquisadores australianos e ingleses contestando a figura do Papai Noel tão disseminada em todo o mundo. “Se pai mente para o filho, como conseguir a confiança dele depois”. Isso pra mim é demais, coisa de gente mal humorada e teórica. Acreditei em Papai Noel durante minha infância e esperava ansioso meu presente, mas não conseguia vê-lo colocando nos meu chinelo a bola, a chuteira, e outros modestos presentes que pedia. Não fiquei com raiva de ninguém por isso e lógico que quando se descobre que ele é uma figura de fantasia e o Papai Noel é o nosso pai ou mãe que compra o presente, vem aquela decepção realmente. Mas isso ficar como marca de uma mentira que prejudique a personalidade e a felicidade da criança não entra na minha cabeça. Toda a minha convivência com um enorme grupo de crianças, não registra ninguém transtornado mentalmente e nenhum jogou fora o amor aos pais por essa enganação explicada posteriormente. Continuo na idade que estou a gostar de fantasias, não só as carnavalescas, mas as da vida. O sonhar com felicidade que as coisas aconteçam, o sorrir e o cantar e ao mesmo tempo ser solidário com todas as pessoas que atravessam dificuldades, pois a vida não é fácil e faz parte dela as duas faces da moeda. Tenho até pena das crianças de hoje que não podem ser iludidas com a figura do Papai Noel que no meu tempo só aparecia perto do Natal, víamos no cinema, e era único no mundo por isso dava pra acreditar. Agora ele chega em Outubro, está em todos os shoppings do Brasil e do mundo, nas lojas mais fuleiras de bairros, ora gordos, ora magros, e aí menino não é besta pra acreditar nessas figuras. Não da mais para ter essa conversa até porque os presentes são entregues antes.  Guardo, no entanto a alegria de ver meu chinelo com o presente que pedia em cartas que também não mais existem, e pedido por zap não tem graça nenhuma.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016



JE SUIS COLOMBIA
FERNANDO AZEVEDO

Como acordo antes do sol, abri o computador na madrugada fatal do desastre aéreo e lá estava a notícia terrível. A queda do avião que levava a Chapecoense para seus jogos decisivos. Logo depois as fotos e a impressão da impossibilidade de alguém ter sobrevivido. Depois as notícias de raros que se salvaram e isso foi se somando dentro de mim ávido de notícias menos ruins para os socorridos com vida, mas confesso que capitulei na quinta feira quando assisti a mais emocionante cena que já vi em toda a minha vida. Hoje choro fácil e frequentemente. Não deu para ver mais e passei a me preservar um pouco.  Tenho certeza que nesse conturbado mundo onde ninguém se entende,( e tivemos um exemplo bem recente nas Olimpíadas do Rio de Janeiro onde sabemos que as festas são mais aparências e os bastidores fervem pela rivalidade) a Colômbia ofereceu ao mundo um espetáculo de solidariedade humana que eleva esse povo ao patamar mais alto da sensibilidade da emoção e da solidariedade. Estive na Colômbia há uns três anos e foi uma viagem inesquecível pela beleza de Bogotá e por Cartagena que é um encanto. Na praia em Cartagena um artesão vendeu uma pulseira para minha esposa e me deu de presente um colar que ele disse serem LAS PIEDRAS DE LA SALUD. Desde esse dia nunca  tirei esse simples presente do pescoço e agora ele tem um valor muito maior, imensurável mesmo. São as pedras, (quatro pedrinhas coloridas em um fio de nylon) que simbolizam o respeito a essa gente que ofereceu ao mundo a maior mensagem de amor e paz já vista. Acho que o Brasil através do seu corpo diplomático deveria realizar uma solenidade de condecoração simbólica a todos os colombianos em agradecimento a esse gesto inesquecível. Chapecó deveria erguer um monumento. Ao encontrarmos e conhecermos o povo da Colômbia deveremos beijar-lhe as mãos e numa partida de futebol que sempre haverá pelos anos seguintes aplaudi-los sempre como se fôssemos irmãos. Um será vitorioso no placar, mas que haja sempre o abraço fraterno entre os jogadores e uma arquibancada sem divisões. Seremos para sempre agradecidos. Obrigado muitas vezes Colômbia.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

ABORTO



FERNANDO AZEVEDO 

Juramento de Hipócrates (Sec. V aC)
Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência.
Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra.
Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu para sempre a minha vida e a minha arte com boa reputação entre os homens; se o infringir ou dele afastar-me, suceda-me o contrário.
CÓDICO DE ÉTICA MÉDICA
Art. 15. Descumprir legislação específica nos casos de transplantes de órgãos ou de tecidos, esterilização, fecundação artificial, abortamento, manipulação ou terapia genética.

A formação humanística de um médico não se adéqua à prática do aborto, no entanto ele sempre existiu. Os pobres com aborteiras que com agulhas de tricô levavam a gestante à morte por infecções e perfurações. Os ricos em hospitais noturnos com diagnósticos de “apendicite aguda” com uma equipe de comparsas. Na Avenida. Guararapes no Edifício Trianon famoso aborteiro trabalhava para a classe remediada com preços compatíveis que lhe rendeu uma boa fortuna boa parte dela perdida em apostas.
O atraso na menstruação, as náuseas e vômitos eram motivo de muita alegria para a maioria das famílias. Para outras o tormento de uma gestação não planejada, de uma virgindade perdida de adolescentes de 12,13, 14 anos como tive e terei ainda no consultório. Adolescências praticamente perdidas. Expulsão dos colégios, sobretudo os religiosos (?) pelo mau exemplo dado. A menina sem dúvida a maior vítima. Como dizia um barbeiro do Espinheiro, galã e pai de vários filhos com empregadas domésticas dobairro, “cacete duro, juízo nos pés”. Grande filósofo.
Hoje em dia são vários os métodos contraceptivos: pílulas, DIU, camisinha, pílula do dia seguinte e o famoso salto da sela na hora do perigo. Se nada disso é praticado vem o bebê. Mata-se ele então? Não aceito e não aceitarei pela formação que recebi e por juízo próprio mesmo.
O Supremo Tribunal Federal ainda não tornou lei, pois a decisão tem que ser do plenário mas já conta com cinco votos favoráveis ao abortamento de fetos até o terceiro mês de gestação. Pode e tem ele o direito de afrontar o Código de Ética Médica.  Pode então o Conselho Federal de Medicina reformular o seu estatuto?
Entendo o aborto de anencéfalos e acho mesmo justo, pois naquele ventre existe um ser que morrerá em poucas horas e o suplício psicológico de uma mãe pode ser um grande motivo para a interrupção da gestação. Achei justa a decisão judicial.
O argumento “que a mulher é dona do seu corpo” é que não me convence. Seja dona do seu corpo e se cuide para não engravidar, mas não mate um indefeso. Ato covarde e o médico que o pratica fere seu juramento a Hipócrates e o Código de Ética. Pode até ficar protegido pelo STF, mas Hipócrates não o perdoará e com certeza o “suceda-me o contrário” será estabelecido.