segunda-feira, 21 de abril de 2014

EM CIMA DO MURO

FERNANDO AZEVEDO

Meu caríssimo colega Ney Cavalcanti escreveu um artigo para a Folha de Pernambuco pedindo para as pessoas saírem de cima do muro e dar a sua opinião. Eu vou passar mais um tempinho em cima dele, somente até o fim dessas linhas, pela formação que tive e pelos próprios conceitos que adquiri na estrada da vida. Os valores materiais não me fascinam. Acho que todas as pessoas deveriam ter o direito à vida digna. Basta isso. Ferraris, iates e ilha de Caras não me seduzem. Educação, moradia, comida no prato e assistência à saúde, nada mais que isso e aquele pouco mais para as curtições de cada um. O mundo, no entanto é guiado pelas cifras, pelos cálculos econômicos e começa a envolver já há algum tempo a venda do próprio corpo, não como prostituição, por exemplo, mas como anatomia. Tivemos exemplos recentes no Recife de pobres que foram para a África do Sul doar rins. Sabe-se do rapto de crianças indefesas para esse fim. Ambos, casos de polícia. Os Estados Unidos com o seu regime capitalista compra sangue e vende os derivados. Aqui a doação é espontânea, através de campanhas humanísticas. Falta sangue. Falta dinheiro no bolso do cidadão, vale à pena ele vender um sanguezinho para levar comida pra casa? Isso é na cifra dos tostões. Vamos para os bilhões de dólares caso da Insuficiência renal que exige hemodiálise por anos. Para zerar a fila dos que precisam transplante renal seriam necessários 50 bilhões de dólares e esse investimento seria compensado com a cessação das hemodiálises, além da evidente melhora na qualidade de vida dos pacientes. Começa então entre os americanos um movimento para incentivar a doação de rim através de “incentivos” tais como aposentadoria precoce, quitação de plano de saúde para o resto da vida ou dinheiro vivo mesmo. Convivi muito com um americano que jogava basquete comigo e ele me falou sobre os jovens requisitados para a guerra no Vietnã e muitos aderiam com a promessa de passar na frente da população comum em aquisição de bens materiais, assistência médica etc. Maioria morreu ou retornou insana mentalmente. Esse amigo contou-me que se fez de louco e foi dispensado. Pode a vida ser regida pelos fatores econômicos? Vejo-me numa mesa de cirurgia dando um rim para um filho se precisasse, mas morreria de vergonha se comprassem alguma coisa minha, um pedaço de pele, metade do desgastado fígado. Quanto vale isso? Como seria a tabela de preços? O mundo realmente sofreu uma transformação que não consigo acompanhar, pois ainda sou vítima do sentimento poético da existência. Sou um anacrônico e não tenho preço. Não façam ofertas.

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