sexta-feira, 13 de abril de 2012

Matéria Publicada no Diário de Pernambuco Recife, sexta-feira, 1º de julho de 2011

Infâncias vividas e infâncias roubadas                                              

No mês de maio um menino do Espinheiro se escondeu da gente. Maninho Victor. Foi juntar-se a Tonho Maria, Pó Xing, o gordo Edmundo e não sei com quem eles estão brincando agora, mas na certa com outras crianças felizes de outros bairros. Nós éramos do Espinheiro que tinha algumas filiais, mas a matriz era o cinema Espinheirense. Todos faziam parte de uma academia de felicidade perpétua vivendo o dia a dia brincando de mocinho e bandido com a enorme dificuldade de conseguir um voluntário bandido, que sempre seria derrotado. 

Não tinha a menor chance de sucesso. Futebol era o carro-chefe. O Globo e o Cometa excursionavam por outros bairros onde outros grupos de meninos felizes e despreocupados nos esperavam. Torre, Encruzilhada, Derby e até na Destilaria do Cabo houve um jogo de caráter intermunicipal, mas para a nossa fantasia, um jogo internacional, afinal de contas o Náutico tinha ido a Europa naqueles anos 50. À noite e nos sábados e domingos agenda cultural na casa dos meus queridos primos Augusto e Eliane Rodrigues. Rádio, Teatro e Circo V-8. Éramos mamulengueiros, cantores, trapezistas escritores de peças teatrais e apesar de mal remunerados por Augusto nunca fizemos greve. O espetáculo não podia parar. Animávamos festas infantis também. O que seríamos no futuro? Não havia um só questionamento a respeito disso. Era na base de Zeca Pagodinho: “deixa a vida nos levar, vida leva eu”. 

O investimento era na alegria, colocando todas as risadas na poupança que nos deu dividendos enormes e que nos sustentam até hoje. Maninho foi uma unanimidade, um verdadeiro ficha limpa a quem todos se rendiam e procuravam para receber de sua enorme inteligência a resposta bem humorada e otimista para qualquer problema. Todos os membros da Academia de Meninos do Espinheiro (AME) são hoje setentões. Quando nos encontramos o sorriso e a alegria nos domina. Fomos os patronos das nossas próprias cadeiras. Dias desses no consultório um adolescente de 15 anos me pediu um abaixador de língua para ficar chupando, pois eles hoje têm sabor. A mãe o repreendeu dizendo que estava muito grande para isso. Falei para ela: não mate a criança que vide dentro dele! 

 E é isso que estão fazendo com nossos pequenos, sobrecarregando-os com mochilas nas costas o enorme peso de responsabilidade e sucesso futuro. Na mochila ninguém leva uma bola de meia, um papagaio (hoje pipa) ou qualquer dose de alegria, mas pesam nos ombros preocupações adultas e vazios de estórias. Pouco para contar a não ser falsos sucessos ou vitoriosos fracassos que só o futuro dirá. Estresse, depressões, psicólogos, psicopedagogos, tudo que uma criança feliz não precisa estão colocando no menu principal dos seus ipads. Estão roubando a infância, que pena, e já não podem mais brincar de pega o ladrão.

Fernando Azevedo
Médico Pediatra
fj-azevedo@uol.com.br

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